quinta-feira, 20 de julho de 2017

MAIS OU MENOS, NEY, MAIS OU MENOS

O cantor Ney Mato Grosso concedeu entrevista ao jornal Folha de São Paulo, para falar sobre uma homenagem que receberia na noite de ontem, quarta-feira, 19 de julho, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Fez um apanhado sobre sua carreira e sobre seu envolvimento com política, a ditadura, dentre outros aspectos. 

Em certo momento da entrevista, surgiu questionamento acerca  do sentimento de pertencimento de Ney a uma minoria, pelo fato de ser gay. Eis que o cantor respondeu: "Eu não [...] que gay o caralho. Eu sou um ser humano, uma pessoa. O que eu faço com minha sexualidade não é a coisa mais importante da minha vida. Isso é um aspecto, de terceiro lugar." Este ponto da entrevista foi destacado aplaudido por muitos. No entanto, algumas ponderações sobre o ponto de vista do artista se mostram pertinentes.

Grosso modo, Ney está certo. A sexualidade não deveria ser a coisa mais importante a ser levada em consideração sobre qualquer indivíduo. O problema, Ney, é que ela é. Vivemos em uma sociedade heteronormativa, que impõe um padrão de comportamento que não pode, em razão da própria diversidade humana, ser adotado por todos. 

Diante disso, milhares de pessoas, todos os dias, são agredidas, constrangidas na rua, expulsas de casa e assassinadas pelo simples fato de serem gays/travestis/transexuais, pelo simples fato de destoarem dos padrões estabelecidos por esta sociedade (que o próprio Ney chamou de Careta e de machista e que ele mesmo, ao longo da entrevista, admitiu tê-lo tratado com preconceito muitas vezes, pelo fato de ser gay). 

Ney Mato Grosso é um cantor consagrado. Vive em uma cobertura, no bairro do Leblon, Rio de Janeiro. Como artista é aceito nas rodas sociais. Ganhou não apenas conforto financeiro, como conseguiu, com seu talento, ser respeitado. 

Desse modo, não seria sua postura um tanto quanto distante da realidade? Para ele, não seria muito fácil dizer que ser gay é apenas um aspecto terciário de sua vida? Não percebe que, por serem gays, muitas pessoas tem sua dignidade negada, são rejeitadas por suas famílias, que muitas tem suas vidas ceifadas pela violência homofóbica e muitas outras tiram suas vidas com as próprias mãos? 

Portanto, fica a crítica à insensibilidade de Ney em perceber que fala de uma zona de conforto. Que poderia, sim, contribuir de maneira mais efetiva na luta para que todos nós, um dia quem sabe, possamos viver nossas vidas sem o medo de que nossa sexualidade nos cause algum tipo de discriminação, como infelizmente acontece todos os dias. 

sexta-feira, 14 de julho de 2017

SOBRE DILMA E TEMER

Nesta quinta, 12 de Julho de 2017, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados rejeitou o relatório do deputado Sérgio Sveiter, que foi no sentido de autorizar o seguimento da denúncia contra Michel Temer, apresentada pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Foram 40 votos contra, ante 24 a favor da denúncia, resultado obtido após uma série de trocas de membros na comissão. Do Maranhão, votaram contra a denúncia os deputados Cléber Verde (PRB), Hildo Rocha (PMDB) e Juscelino Filho (DEM).

No ano passado, votações parecidas a esta ocorreram nas comissões e no plenário da Câmara dos deputados. Pedido de Impeachment patrocinado pelo PSDB, pedia a cassação de Dilma. A presidente perdeu todas. A mensagem que os deputados diziam querer passar era de que o governo Dilma tinha acabado, dada a crise política e econômica, além da alta rejeição da presidente, que tornava seu governo inviável, sendo necessária sua deposição. A acusação formal: pedaladas fiscais. 

Agora Michel Temer vence votação após votação. Seja relacionadas às suas "reformas", seja como a de ontem, relacionada à sua denúncia. O que mudou? Não muita coisa. A crise econômica continua se agravando. A crise política piora a cada dia. E Temer tem hoje metade da aprovação que Dilma tinha. Alem disso, outro fenômeno continua exatamente igual: a falta de caráter, de decoro e de cerimônia de parte dos parlamentares que hoje frequenta o Congresso Nacional. 

Michel Temer foi flagrado em uma conversa informal com um homem investigado, que confessou crimes atrás de crimes em sua frente, ouvindo como resposta somente expressões como "ótimo, ótimo" ou "tem que manter isso aí, viu?". Mas nada disso faz mais diferença. Fica claro e evidente que o problema nunca foi crise. O problema nunca foi corrupção. O problema é falta de vergonha na cara e uma vontade monumental de tentar salvar um sistema político nefasto. Figuras como Michel Temer, Aécio Neves e Romero Jucá, só pra citar três dos maiores, estão debochando em regozijo de nossas caras, enquanto respondemos com inércia e covardia. Não há esperança no horizonte. O futuro é melancolicamente desanimador. 

quinta-feira, 13 de julho de 2017

SOBRE LULA E MORO

   
Os nove anos de prisão sentenciados por Sérgio Moro ao ex-presidente Lula, embora não tenham surpreendido ninguém, levantaram intenso debate em todo o país e também no exterior. Dentre todos os aspectos que podem ser debatidos a partir deste episódio, levantemos dois:

1- Lula foi derrotado nas três primeiras eleições presidenciais que disputou. Em 1989, 94 e 98 Lula perdeu por representar, com seu discurso e lugar de fala, uma ameaça ao sistema político putrefato. Lula gritava contra as elites oligárquicas e tinha uma proximidade muito profunda com os movimentos sindicais e sociais e com a população mais pobre do país. A elite, que usa o poder do capital e midiático que possui para comprar poder político, se valeu de todas as forças que pôde para impedir o operário de chegar ao posto de chefe do poder Executivo. 

Em 2002, no entanto, Lula deixou a trincheira. Prometeu diálogo com todos os focos de poder do país, chamou para ser seu vice um dos maiores empresários do Brasil e escreveu cartinha ao tal mercado financeiro prometendo não ser o bicho papão que eles temiam que fosse no exercício da presidência. Lula, pôde, enfim, atingir seu objetivo e tornou-se o primeiro ex-operário a subir a rampa do planalto para receber a faixa presidencial. 

No exercício da Presidência, Lula foi alem de uma relação de conciliação com a elite tão criticada por ele anteriormente. Fortaleceu as velhas oligarquias, a exemplo dos Sarney's aqui no Maranhão, e se filiou a engrenagem corrupta de condução do poder no país, na base do toma lá da cá com o Congresso Nacional. Não conseguiu avanços significativos em áreas sensíveis e graves como a reforma agrária, a reforma política e outras tantas importantes. Executou políticas econômicas que fizeram nascer uma nova classe média pautada no consumo, em vez de criar um modelo inclusivo, com base na difusão de bens e serviços capazes de materializar os direitos programáticos previstos na Constituição Federal e que são reduzidos ante a nefasta realidade de desigualdade social que nos abate. 

Diante de tudo isso, Lula merece críticas severas e não deveria mais ser visto como possível salvador da pátria, como é  por muitos brasileiros. Não há o que possa nos levar a crer que Lula pode fazer agora o que não fez quando esteve com o poder, de modo que é uma barca furada tomá-lo como herói, assim como é com qualquer outro político. 

2 - No caso específico da sentença, a questão é muito mais delicada. Todos nós sabemos o quão verossímil é a acusação do Ministério Público Federal. Lula estabeleceu em seus governos uma relação promíscua com as construtoras, em troca de poder para manter a tal "governabilidade", de modo que se eu tivesse que apostar que ele recebeu o tal triplex como contrapartida por negociatas em estatais, eu apostaria. 

No entanto, a sentença de Sérgio Moro é um erro. Dentro de um processo, principalmente o penal, diferente do que se passa dentro de nossas cabeças, não basta a obviedade. É necessário que esta obviedade possa ser demonstrada materialmente, para que fique provada. As 218 páginas da sentença de Moro servem para afagar os seus seguidores que o transformaram em um herói. No entanto, a sensação que fica é que o processo encerra-se do mesmo jeito que se iniciou: com uma denúncia, que apresenta indícios, mas sem demonstrar elementos probatórios. 

Todo este quadro é um tanto quanto preocupante, porque traduz um ativismo parcial do poder judiciário. Enquanto Cláudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, foi absolvida exatamente pela falta de elementos probatórios, neste processo, julgado pelo mesmo juiz, esta falta não representou o mesmo peso. Vamos ver as cenas do próximo capítulo e torcer para que, ao final da história toda, a sanha justiceira dos procuradores e do juiz da lava jato não leve o país a fortalecer ainda mais a já preocupante realidade de exceção, pois os danos podem ser graves e para todos nós.