sábado, 29 de abril de 2017

MERITOCRACIA: QUE BICHO É ESSE?

Há um debate muito vivo sobre os fatores que determinam o lugar ocupado por cada indivíduo na sociedade.
Há uma linha muito influente que se baseia na tal meritocracia. Conceito alinhado ao liberalismo, a meritocracia eleva a fator determinante a ação do próprio indivíduo. Ou seja, o sucesso ou o fracasso ostentado pelo sujeito vai depender do tamanho do esforço, do foco, da força de vontade e de sua capacidade de renúncia.
Esta é uma noção muito atraente. Não há dúvidas de que sem estes elementos, ninguém consegue conquistar aquilo que deseja, seja lá o que for.
No entanto, eles não são suficientes para explicar os arranjos sociais, que são absolutamente mais complexos e requerem explicação em um conjunto de fatores que remontam a problemas históricos, sociológicos, antropológicos e de ordem política.
Um dos principais valores sustentado por nações democráticas é o princípio da igualdade. Não apenas a igualdade no seu sentido imediato. Igualdade aqui significa entender que nem todos são iguais e que só será justo o tratamento se este levar em consideração estas desigualdades.
Vamos tentar perceber este quadro através de duas histórias reais, de pessoas conhecidas por mim, Paulo e Luis (os nomes são fictícios). Paulo mora em um bairro nobre da cidade, sua casa fica a menos de 500 metros da escola cara onde estudou toda sua educação básica e a 8 km de sua faculdade. Estuda na mesma universidade que eu. Paulo chega à universidade dirigindo seu carro, que ganhou quando passou no vestibular, novinho em folha. Custou 90 mil reais e foi comprado à vista. Quando termina a aula, Paulo dirige seu carro até seu apartamento, onde mora com seus pais e sua irmã. Paulo chega em casa e já encontra seu almoço pronto. Seu quarto, que ficara bagunçado ao sair de casa, já foi arrumado pela empregada. O pessoal da manutenção também passou para limpar o aparelho condicionador de ar do quarto.
Paulo almoça, descansa um pouco e tira uma soneca. Acorda no meio da tarde e pega seus livros novos, os mais atualizados, e senta-se para estudar. A noite, ao sentir fome, os pais de Paulo (ambos médicos) levam-no para jantar em um bom restaurante.
Paulo é um excelente aluno. Paulo vai se formar, seguramente conquistará um excelente emprego. Provavelmente vai passar em um bom concurso e poderá dar continuidade ao ciclo de conforto no qual vive sua vida.
Luis tem a mesma idade de Paulo. Luis mora na periferia, são 25 km de casa até o trabalho. Luis, desde os 13 anos, acordava duas da manhã para ir trabalhar na feira. Alugava um carrinho de mão e ganhava uns trocados, carregando as compras das pessoas até seus carros, ou até a parada de ônibus. No fim de cada jornada, 20 ou 30 reais no bolso. Pouco, mas já fazia diferença em sua casa. A mãe de Luis, mantenedora dele e de seus dois irmãos mais novos, não tinha emprego fixo. Abandonada pelo último companheiro, fazia faxinas como diarista, quando aparecia. Mesmo assim, fazia questão de que seus três filhos frequentassem a escola. Luis frequentava a escola no período da tarde. Mas repetiu de ano 3 vezes. Chegava à escola com sono e não conseguia se concentrar muito bem.
Há três anos, a mãe de Luis sofreu um derrame cerebral. Ficou incapacitada de trabalhar. Passou a depender da ajuda de terceiros e Luis assumiu toda a responsabilidade por cuidar da mãe e de seus irmãos.
Foi então que Luis abandonou a escola e conquistou um emprego formal, de serviços gerais em uma fábrica de roupas. Luis sai de casa às cinco da manhã para estar no trabalho às oito. Luis sai do trabalho às dezoito horas, e chega em casa depois das vinte horas. Luis não vai se formar. Luis não vai ser aprovado em um grande concurso. Muito provavelmente, os filhos de Luis vão reproduzir o ciclo de privação e dificuldades.

Mas se, depois deste exemplo real, você ainda acreditar que Paulo se esforça mais que Luis, você tem algum déficit cognitivo. E grave. 

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